O monstro pariu <br>um monstro
Não, os estado-unidenses não são estúpidos. Preferiram a loucura à promessa de novas guerras; escolheram o racista assumido em detrimento da candidata que classifica os negros como predadores sexuais. Quão mau é preciso ser para ser mais repulsivo que o homem mais repulsivo do mundo? A vitória de Trump é, antes de mais, a avaliação final a duas administrações lideradas por Barack Obama que tornaram os trabalhadores dos EUA mais pobres e o mundo mais violento. Ao longo das últimas semanas, os seguros de saúde atingiram os preços mais altos de sempre, escandalizando mais eleitores que quaisquer mensagens de correio electrónico ou palavras obscenas. O povo dos EUA sabe que o magnata não é alternativa mas, como reza o hino da campanha de Trump, «não podes ter sempre aquilo que queres». Sem uma alternativa comunista, a classe trabalhadora sabe que está condenada a escolher entre loucura na sopa ou sopa de loucura. Ganhou a sopa de loucura: na «maior» e mais putrefacta democracia do mundo é assim que o povo se expressa.
Crise
Enterrando centenas de sondagens, politólogos, especialistas e tarólogos, a vitória de Trump é a expressão política da distensão de uma crise económica que o capitalismo não consegue resolver. Foi o esgotamento sucessivo de todas as opções políticas do capital, democratas ou republicanas, que criou o monstro chamado Trump. O genuíno entusiasmo gerado pela eleição de Obama sob as divisas da «esperança» e «mudança» transformou-se em genuína desilusão. Não acabaram a prisão de Guantánamo, nem o racismo, nem a guerra, nem isenções fiscais para os grandes grupos económicos, nem a aceleração da transferência dos rendimentos do trabalho para o capital. Ao entregar a presidência e as duas câmaras do Congresso aos republicanos, os eleitores estado-unidenses preferiram o original à imitação.
Por outro lado, a violenta derrota dos democratas é também a derrota de todos os que acreditaram que Clinton podia deter Trump. Em vez de construírem uma alternativa de classe, importantes secções da «esquerda» estado-unidense baixaram as armas e coroaram Clinton como o «mal menor», tornando-se indistinguíveis na enorme amálgama de «males» menores e piores. É que Trump, racista, sexista, odiento, desumano e obsceno tem ao menos o desprezo de importantes sectores do grande capital, da alta finança e dos respectivos aparelhos partidários e mediáticos.
Incógnita
A grande incógnita da presidência de Trump será a condução da política imperialista. Os sinais são contraditórios: por um lado faz suas as posições sionistas mais reaccionárias, por outro, promete pôr fim à escalada de provocações à Rússia e cortar o financiamento ao Estado Islâmico. A certeza possível é que Trump extremará a luta de classes contra os trabalhadores servindo-se das armas de sempre: a repressão policial; o racismo; a guerra contra as mulheres; a destruição dos sindicatos; a xenofobia, a homofobia e a islamofobia, ou numa só palavra: capitalismo.